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vendredi 23 avril 2010

A Carta

Setembro
"Celui qui n'ose pas regarder le soleil en face ne sera jamais une étoile"
William Blake

A noite é boa conselheira… dizem ! Mas a noite apenas traz bons conselhos aos espíritos repousados e aos corações ligeiros.
E o meu fervilha com mil preocupações e o coração... esse... nem sei por onde anda!
A noite é boa conselheira, mas a mim só me deixa pesadelos e dúvidas maiores do que aquelas com as qual me deito.

E tu, no silêncio nocturno desces sobre o meu corpo, em sonhos, poeira de estrelas, enches o ar com a tua lembrança, tenho o ser impregnado do teu odor, da tua respiração, tenho as tuas palavras a ecoar nos ouvidos como borboletas florais à volta de mim.
O silêncio fala-me de ti como o estalar do soalho sob os passos leves e transparentes dos fantasmas falam-me de todas as ausências desta casa. As flores espalhadas pela casa esperam o toque suave dos teus dedos pelas folhas para as ajeitar na jarra como o meu corpo aguarda em vão o teu regresso. Mas tu só voltas por palavras longínquas carregadas por terceiros, carregadas pelos sonhos e por esse vento agreste, nortadas... dizem os idosos. Nortadas gélidas numa noite de verão... como são possíveis?
E ainda dizem que a noite é conselheira... que conselho me poderia dar?

Que te afaste da minha vida antes que te incrustes, antes que seja tarde de mais.

Mas meu amor, era tarde e ainda nem o tempo falava de ti. Era tarde ainda nem era. Era tarde antes de te conhecer, era tarde, foi sempre tarde ou cedo demais na minha vida.
Por isso quando chegaste o meu coração sabia que te aguardava, como um velho relógio parado aguarda a chegada do relojoeiro para recomeçar dar horas, e antes que o tenhas tocado com o olhar já ele, tal uma engrenagem fatal e inevitável se tinha remetido a bater, leve, levezinho e depois incontrolável.

Só o poderia parar se o arrancasse, se lhe arrancasse as agulhas tal como se arranca as raízes a uma árvore, mas restaria a alma tal como a árvore restariam as sementes acarretadas pelo vento.
Porque vieste acordar-me naquela noite? Porque passaste assim pela minha vida?
Oh... eu devia saber, os príncipes da vida real não são como os príncipes dos contos!
Os príncipes da vida real passam como despertadores, acordam-nos e partem acordar outras princesas, como ávidos caçadores de pérolas raras, sempre à procura da mais perfeita, da mais rara e eu que julgava ser única era apenas um numero entre tantas outras, uma pérola a mais uma pérola a menos a extrair da ostra e a deixar na prateleira.

E agora, que sei isso tudo, estou ainda à espera que a noite me diga algo diferente, que as tuas palavras condigam com os teus actos e que eu seja especial entre tantas e que a minha amizade conte para ti, que a minha presença te faça falta, que... tanta coisa idiota... mas a noite fala-me apenas da tua ausência, da falta que me fazes, e isso ainda é mais estúpido sentir falta de uma ausência porque tu foste sempre falsidade mentira e ausência.

Não passas de uma imagem bonita construída pela minha mente sonhadora sobre a tua verdadeira personalidade: frio, altivo, hipócrita, indiferente e passageiro.
Quis dizer-te, a dada altura: desaparece da minha vida, recolhe as tuas palavras, o teu perfume, dá-me um bálsamo de esquecimento, faz com que não me recorde mais de ti, devolve-me a minha existência pacata, o meu mundo tranquilo como uma praia sem ondas nem correr de vento. A solidão morna, a tristeza sem dor, as noites sem sonhos, a vida sem espera... devolve-me a calma estúpida dos que conhecem o amor sem paixão, dos que desconhecem a vida, as profundezas dos infernos de onde sobem os anjos negros que se disfarçam de homens para nos roubar o sossego e que voltam para o seu mundo quando deixam o nosso às avessas!

Mas as palavras quedaram-se cobardemente à flor dos lábios, calaram-se sob o veludo dos beijos, sob a ilusão vaga da mentira.

E agora é tarde. Foi sempre. Mesmo antes de chegares.
Agora o silencio fala-se me ti e ainda que fecha a porta tu continuas aqui, porque habitas em mim, no bater do coração, no ar que respiro.
É tarde.
E da noite nada espero... apenas a manhã.
Um novo dia... e quem sabe?
Voltes a passar por aqui?

A.

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